segunda-feira, 14 de novembro de 2011

O diário de João Carvalho Dias


     A carta escrita por ele naquela noite havia de ser picotada em mil pedaços por seu destinatário. Seu diário, antes esquecido em meio à multidão, apareceu alguns dias depois na recepção da pousada em que residia temporariamente. O diário era a réplica perfeita de seu estado de espírito. Estava sujo, surrado, pisoteado e úmido. Algumas páginas haviam sido rasgadas e a capa estava se soltando. Olhando para o que restou de sua história, deu uma rápida passada de olhos em seus textos. Seus olhos se encheram d’água. A ilustração de sua vida genérica mau continha o seu próprio nome e nem os nomes daqueles que atuavam com papéis tão importantes quanto o dele. “Miséria! Vida e sentidos! Pobreza em meio à riqueza. Riqueza de arte. Sensibilidade! Carência de asas. Carência de pernas. Existência! Codinome! Ao genérico, agora forneço um nome. João Carvalho Dias.”
     Depois disso, o jovem pegou sua caneta-tinteiro e escreveu em seu pulso o seu novo nome “João Carvalho Dias”. Abriu a sua mochila e começou a revirar. Retirava de lá as coisas que haviam sido ocultadas em meio a sua bagagem. Encontrou um maço de cigarros nunca antes aberto que estava esquecido a... Nem eu mesmo recordo a data. Acendeu uma unidade. Aquele ato resultaria, mais tarde, na ressurreição de seus vícios.
     Retirou de sua mochila os livros de ciência e tecnologia e também os de suspense. Agora só havia espaço para livros novos. Dos antigos manteve apenas os de história, filosofia, antropologia e suas dezenas de romances. Manteve também seu porta CDs, seus jornais independentes e suas surradas camisetas com estampas de protestantes. João buscava carregar consigo apenas o que amava. Aliás, o amor seria o novo destino, mesmo que não tivesse essa consciência.
     Com seu isqueiro, João transformou em cinzas o seu antigo diário. Este foi apenas um ato simbólico, pois João era a personificação daquilo tudo. Porém, não era sua intenção abandonar sua arte. Pelo contrário! A intenção era somar... Assim sendo, pegou sua mochila, foi até a recepção onde quitou sua dívida. A moça agradeceu com um sorriso simpático e lhe desejou um ótimo dia. João não hesitou em dizer: Hoje é o melhor dia da minha vida! A moça olhou com admiração e lhe abriu um largo sorriso. Mal sabia a moça de que aquele era o melhor dia da vida de João por ser o seu primeiro dia.
     Passando pela vitrine de uma loja, João avistou um caderno de capa dura e preta. Discreto e confortável como havia de ser seu novo diário. Não pensou duas vezes para efetuar aquela aquisição e concretizar a sua fase. Na contra capa escreveu “Volume 2. O diário de João Carvalho Dias”. Personificou seu codinome.



Gabriel Lopes Sattelmayer