A carta escrita por ele naquela noite
havia de ser picotada em mil pedaços por seu destinatário. Seu diário, antes
esquecido em meio à multidão, apareceu alguns dias depois na recepção da
pousada em que residia temporariamente. O diário era a réplica perfeita de seu
estado de espírito. Estava sujo, surrado, pisoteado e úmido. Algumas páginas
haviam sido rasgadas e a capa estava se soltando. Olhando para o que restou de
sua história, deu uma rápida passada de olhos em seus textos. Seus olhos se
encheram d’água. A ilustração de sua vida genérica mau continha o seu próprio
nome e nem os nomes daqueles que atuavam com papéis tão importantes quanto o
dele. “Miséria! Vida e sentidos! Pobreza em meio à riqueza. Riqueza de arte.
Sensibilidade! Carência de asas. Carência de pernas. Existência! Codinome! Ao
genérico, agora forneço um nome. João Carvalho Dias.”
Depois disso, o jovem pegou sua
caneta-tinteiro e escreveu em seu pulso o seu novo nome “João Carvalho Dias”. Abriu a sua
mochila e começou a revirar. Retirava de lá as coisas que haviam sido ocultadas
em meio a sua bagagem. Encontrou um maço de cigarros nunca antes aberto que
estava esquecido a... Nem eu mesmo recordo a data. Acendeu uma unidade. Aquele
ato resultaria, mais tarde, na ressurreição de seus vícios.
Retirou
de sua mochila os livros de ciência e tecnologia e também os de suspense. Agora
só havia espaço para livros novos. Dos antigos manteve apenas os de história,
filosofia, antropologia e suas dezenas de romances. Manteve também seu porta CDs,
seus jornais independentes e suas surradas camisetas com estampas de protestantes.
João buscava carregar consigo apenas o que amava. Aliás, o amor seria o novo
destino, mesmo que não tivesse essa consciência.
Com seu isqueiro, João transformou em
cinzas o seu antigo diário. Este foi apenas um ato simbólico, pois João era a
personificação daquilo tudo. Porém, não era sua intenção abandonar sua arte.
Pelo contrário! A intenção era somar... Assim sendo, pegou sua mochila, foi até
a recepção onde quitou sua dívida. A moça agradeceu com um sorriso simpático e lhe desejou um ótimo dia. João não hesitou em dizer: Hoje é o melhor dia da minha
vida! A moça olhou com admiração e lhe abriu um largo sorriso. Mal sabia a moça
de que aquele era o melhor dia da vida de João por ser o seu primeiro dia.
Passando pela vitrine de uma loja, João
avistou um caderno de capa dura e preta. Discreto e confortável como havia de
ser seu novo diário. Não pensou duas vezes para efetuar aquela aquisição e
concretizar a sua fase. Na contra capa escreveu “Volume
2. O diário de João Carvalho Dias”. Personificou seu codinome.
Gabriel
Lopes Sattelmayer