segunda-feira, 14 de novembro de 2011

O diário de João Carvalho Dias


     A carta escrita por ele naquela noite havia de ser picotada em mil pedaços por seu destinatário. Seu diário, antes esquecido em meio à multidão, apareceu alguns dias depois na recepção da pousada em que residia temporariamente. O diário era a réplica perfeita de seu estado de espírito. Estava sujo, surrado, pisoteado e úmido. Algumas páginas haviam sido rasgadas e a capa estava se soltando. Olhando para o que restou de sua história, deu uma rápida passada de olhos em seus textos. Seus olhos se encheram d’água. A ilustração de sua vida genérica mau continha o seu próprio nome e nem os nomes daqueles que atuavam com papéis tão importantes quanto o dele. “Miséria! Vida e sentidos! Pobreza em meio à riqueza. Riqueza de arte. Sensibilidade! Carência de asas. Carência de pernas. Existência! Codinome! Ao genérico, agora forneço um nome. João Carvalho Dias.”
     Depois disso, o jovem pegou sua caneta-tinteiro e escreveu em seu pulso o seu novo nome “João Carvalho Dias”. Abriu a sua mochila e começou a revirar. Retirava de lá as coisas que haviam sido ocultadas em meio a sua bagagem. Encontrou um maço de cigarros nunca antes aberto que estava esquecido a... Nem eu mesmo recordo a data. Acendeu uma unidade. Aquele ato resultaria, mais tarde, na ressurreição de seus vícios.
     Retirou de sua mochila os livros de ciência e tecnologia e também os de suspense. Agora só havia espaço para livros novos. Dos antigos manteve apenas os de história, filosofia, antropologia e suas dezenas de romances. Manteve também seu porta CDs, seus jornais independentes e suas surradas camisetas com estampas de protestantes. João buscava carregar consigo apenas o que amava. Aliás, o amor seria o novo destino, mesmo que não tivesse essa consciência.
     Com seu isqueiro, João transformou em cinzas o seu antigo diário. Este foi apenas um ato simbólico, pois João era a personificação daquilo tudo. Porém, não era sua intenção abandonar sua arte. Pelo contrário! A intenção era somar... Assim sendo, pegou sua mochila, foi até a recepção onde quitou sua dívida. A moça agradeceu com um sorriso simpático e lhe desejou um ótimo dia. João não hesitou em dizer: Hoje é o melhor dia da minha vida! A moça olhou com admiração e lhe abriu um largo sorriso. Mal sabia a moça de que aquele era o melhor dia da vida de João por ser o seu primeiro dia.
     Passando pela vitrine de uma loja, João avistou um caderno de capa dura e preta. Discreto e confortável como havia de ser seu novo diário. Não pensou duas vezes para efetuar aquela aquisição e concretizar a sua fase. Na contra capa escreveu “Volume 2. O diário de João Carvalho Dias”. Personificou seu codinome.



Gabriel Lopes Sattelmayer

sábado, 1 de outubro de 2011

Olhar


     Refugia-se em um quarto de hotel e deságua em mar de tinta:

“Se ao menos seu olhar gritasse
Se ao menos seu olhar fechasse
Se ao menos seu olhar chorasse
E de forma alguma confiasse nem sorrisse
Talvez eu não reagisse e simplesmente passasse.

Mas para mim ele riu
E a grade de meu peito rangeu
Rangeu, não porque feriu,
Mas porque encolheu.

E então meu peito bateu
Bateu e se expandiu
Pois o limite que prevaleceu
Apodreceu e caiu.

E a imbecil complexidade
Que um dia me partiu
Hoje tem outra identidade...
A antiga ninguém mais viu!

Foi esse seu olhar
Que me fez simplificar
Aquilo que eu queria esquecer
E voltar a ser
Sem nenhuma dor
Simples como o amor.”


Gabriel Lopes Sattelmayer.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

A vila


   Com uma expressão de cansaço andava o rapaz pelas ruas da cidadezinha carregando sua enorme mochila preta carregada de livros e cadernos que davam violentos saltos no interior da mesma acompanhando a variação dos passos. Seus passos eram marcados por um contínuo som metálico oriundo de um molho de chaves que, outrora, havia sido pendurado clandestinamente em sua mochila. O som ecoava em sua cabeça de tal maneira que o hipnotizava. Projetava a imagem de sorrisos, de olhares, da sacada, do café, da TV, do trem, do sol, das árvores, da aventura. “Escolha o caminho, aventureiro!” – gritou e começou a rir. O cansaço e a fome doíam. Foi nesse momento que ele avistou ao longe uma padaria que se localizava na esquina de uma rua larga. Na vitrine averiguou o que tinha para comer. “Temos somente pães de queijo e casadinhos, senhor”- disse o atendente. “Eu sei, é o cardápio comum de padarias de esquina”- disse sorrindo e saiu. O atendente haveria de dormir sem entender o que ele queria dizer.
     O som da chave o acompanhava aonde quer que ele fosse. Pensou várias vezes em tirá-la dali, mas não tinha coragem. Ele se perguntava a cada passo o porquê daquela chave estar ali. Pensou em voltar para devolver, mas já tinha andado demais. Não agüentava dar mais nem um passo. Foi nesse momento que um banco de madeira surgiu a sua frente. Pensou ser uma miragem e quase chorou de alegria quando viu que era real. Deitou no banco, usou sua mochila de travesseiro e ficou olhando o céu. Tentou dormir, mas não tinha sono. Levantou e resolveu ficar sentado. “Caralho!... Como não reparei nisso antes.”. Havia uma enorme torre com um relógio que lembrava aquela de Londres bem ao seu lado. Nesse mesmo instante lembrou-se do velho louco. “Eu sou nuvem passageira. Que com o vento se vai. Eu sou como um cristal bonito. Que se quebra quando cai.” – repetia o que o velho louco sempre lhe dizia. “Sábios loucos”. Apanhou sua mochila e continuou a andar. Não suportava mais o barulho das chaves. Arrancou-as da mochila e guardou-as numa caixinha de madeira que havia ganhado de presente. Subiu em um muro e avistou ao longe uma enorme árvore branca com raízes imensas. Desceu do muro e resolveu caminhar até ela. Era enorme e imponente. Branca da raiz às folhas. “Um belo lugar! Que tal?”- disse enquanto colocava a caixinha de madeira no pé da árvore. Com um enorme sorriso estampado no rosto, resolveu voltar para a cidadezinha por um caminho novo. Uma rua completamente movimentada. Havia barracas, tendas, crianças, jovens, adultos, velhos, carros, bicicletas, uma bagunça! Ele andava sem rumo, atordoado pelo barulho e pelo o número de pessoas. De repente ele sente uma batida em seu braço direto. Ele olha rapidamente para tomar ciência do ocorrido e se depara com uma linda moça de vestidinho florido e cabelo Chanel protegido por um pequeno chapéu marrom. Os olhos da moça leram sua alma. A situação embaraçou-lhe a mente. Aquele olhar dizia-lhe tanta coisa! Saiu correndo e esbarrando em todos. Só não reparou que do bolso onde havia a caixa de madeira, havia caído seu diário.


Gabriel Lopes Sattlemayer.

sábado, 24 de setembro de 2011

Pólos


     E ele que não se manifestava, moldado à talha pela descrença, se surpreendeu ao ver que aquela criança que, até então só se empenhava em causar desordem na casa, passara a se preocupar em desobstruir os corredores e os quartos após as tardes de peripécia. Observou que aquela criança criava naturalmente um ar de maturidade. Não aquela maturidade presa às normas e os bons costumes que seguem o fluxo dos seus antecessores, mas sim uma preocupação, um cuidado com os demais que, por um instante de desatenção, poderiam tropeçar em seus brinquedos machucando a si mesmos e destruindo algum brinquedo que pudesse ser de sua preferência, resultado na perda da graça de suas empresas fantasiosas em seus mundos imaginários. É... Talvez a preocupação daquela criança não fosse só o bem-estar dos outros, mas uma garantia de seu próprio bem.
     Pensava assim o velho homem até o momento em que, vendo a sua dificuldade de se locomover pela casa, a criança abandonou seu mundo fantástico para levá-lo para passear no jardim em sua cadeira de rodas. “Eu lhe incomodo, Sr.?”- disse o garoto. “De certa forma.”-disse o homem. Sem compreender muito bem a resposta inesperada perguntou: “Causo-lhe algum mal, Sr.?”. O velho homem sorriu e disse: “De forma alguma.”. E quando o menino perguntou sobre o motivo do incômodo, o homem disse em seguida: “A tua forma. Tu és um pirralho de merda”. O garoto não se agüentou e abriu uma estrondosa gargalhada que ecoou em toda a vizinhança. “Você é um velho rabugento! Rabugento no jeito de se vestir, rabugento no jeito de falar, rabugento no jeito de andar... R-A-B-U-G-E-N-T-O” – disse o garoto andando em círculos em volta da cadeira. “E tu, um pirralho de merda!”- murmurou o velho homem. Os dois se calaram e o silêncio reinou por toda tarde. Ambos se observavam e se reconheciam um no outro. Os olhos caídos, o cabelo encaracolado, a maneira com que coçavam a cabeça, os desvios de atenção, o ar pensativo, o amor e a paixão por seus mundos. No princípio do fim da tarde o menino arriscou quebrar o silêncio. “Você não aceita que somos iguais, não é mesmo?”. “Somos os mesmos, mas nossos mundos divergem”- disse o homem com ar pensativo. Os raios do sol na face do homem restabeleceram um pouco a sua juventude. O vento que ecoava na copa das árvores esvoaçou o cabelo de ambos. “Você é um homem rabugento.” – disse o garoto sorrindo. “Você cresceu... Mas continua um merda.”. Voltaram para a casa.


Gabriel Lopes Sattelmayer.
              

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Impostura


    O controle de agir de maneira coerente a fim de seguir ou não a razão não é nada mais que limitação, porém, se policiar para não se limitar também é uma limitação. Ser sensato é dar ouvidos aos precedentes, mas qual a vantagem de ser sensato quando a sensatez ceifa-lhe a espontaneidade? Viver com medo é o mesmo que não viver.
     A vida foi feita para ser marcada e para nos deixar a sua marca. As marcas são metade. Metade lágrima, metade sorriso. Mesmo as metades não se limitam em ser inteiramente uma só razão.
     Com bons olhos são vistos aqueles que observam analiticamente o seu cerco. Mas de que serve a análise se não para criar “pseudo-cascas”? Qual a razão de desenvolver defesas em um mundo onde a maioria dos tiros ruma diretamente aos pés?
     A melancolia é minha parceira e a contradição, meu cotidiano. Minha curiosidade é: como é viver de peito aberto? Não sei se por tédio ou teimosia, faço inúmeras tentativas de resgatar o que eu mesmo quis tirar de mim. O mais irônico é clamar pela ressurreição da simplicidade de uma criança. A mesma simplicidade amaldiçoada pela adolescência, onde tudo parecia estar errado. Quão idiotas somos nós! Melhor dizendo... Quão idiota sou eu! Está tudo do avesso!


Gabriel Lopes Sattelmayer

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Exclamação


   Vivendo uma tarde de sexta-feira, estava ele deitado em sua cama sobre o lençol recém comprado estampado de folhas secas, se alimentando do aroma de café que saía da caneca esquecida à beira do criado-mudo e tentando regurgitar todo aquele sentimento repaginado, reescrito e revigorado nas páginas amareladas de seu caderno.
     Do lado de fora, o dia presenteava o garoto enviando para dentro de seu quarto a imagem alaranjada de um início de pôr-do-sol. Era mais uma tarde sob o céu de São Paulo. Mais uma tarde na periferia de seu ser. Foi nesse momento que o garoto, por impulso, arremessou seu caderno contra a parede e correu até a janela. O vidro mostrava seu rosto pálido sobreposto ao brilho intenso do sol que também era refletido pelas janelas dos outros prédios. Tudo brilhava. Tudo refletia. Tudo se mostrava.
     Até aquele momento, o menino acreditava que apenas a presença bastaria para traduzir-lhe a alma e que a voz era desnecessária, pois, para ele, ela não passava de uma auto-afirmação de cunho persuasivo. Mas todo aquele brilho, aquele reflexo, aquele grito alaranjado despertou-lhe um grito visceral seguido de algumas lágrimas que lhe lavaram a gola da camisa. Estava rompido o laço que amarrava sua voz.    

Gabriel Lopes Sattelmayer

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Ser


    No reflexo metálico esboço um olhar de alguém que não se reconhece. Alguém que começou do meio sem a lembrança de um início. Cai sobre mim o brilho dourado do metal e dele sinto a paz, a vida, a idéia que o tempo deixou em tom azulado. Do azul não me lembro de nada além de um gosto amargo na boca e uma sensação de desconforto. O conforto me traz saudade. Saudade de quando confortável era apenas ser indivíduo. Quando a coletividade me servia e ela aquecia-me o peito.
     É possível não se ter um princípio ou ao menos um pretexto? De minha única metade conhecida, conheço apenas metade. Como alguém que é incompleto pode desejar algo completo? Restam-me as metades. Sufoca-me essa falta de pedaços. Preenchem-me com imaginação. Canso de ser utópico. Disseram-me que sou invenção. Minhas mãos de delicadeza vadia mal são marcadas por minhas digitais. Minhas digitais são fracas, mas existem. Existo.


Gabriel Lopes Sattelmayer.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

A casa


     É uma manhã fria acompanhada por uma fina garoa. Observo as gotas na janela, me levo à nostalgia. Bate-me uma saudade daquela antiga casa. Aquela que uma vez foi sonho, outra vez realidade, mas a mesma realidade tornou-a sonho novamente. A angústia de quinta-feira me sufoca. A semana toda que passou parece debruçar em meus ombros. Mas a saudade é grande, maior do que qualquer coisa. Certo dia passei em frente à casa. A sacada de madeira estava pintada. Tenho lembranças boas dessa sacada. Lá, observávamos, fazíamos planos, contemplávamos o sol, a noite, o frio, a chuva... Como eu gostava daquela sacada! Mas em sua forma original. Com sua cor única de madeira tratada.
     O céu escurece, resolvo sair logo de casa. Apanho uma blusa, um cachecol e saio às pressas. Sinto algo apertar meu pulso. Minhas pulseiras me apertam. Minhas marcas. Por que elas ainda estão comigo? Faço inúmeras tentativas de arrancá-las. Perda de tempo! Fazem parte do meu pulso.
     Incomodo-me tanto com as pulseiras que nem me dou conta de já estar à frente da porta da velha casa. Como que por anestesia a dor no pulso passa. Olho para porta da casa, sinto-a com a ponta de meus dedos e logo sou tomado pela dúvida: será que as chaves ainda são as mesmas? Deslizo minhas mãos pelos bolsos dando leves batidas até ouvir o eco metálico. Meu coração está acelerado, a curiosidade me corrói. A chave gira, a porta abre. Empurro-a lentamente e me espanto. A casa está do jeito de antes. Apenas as cortinas estão com tons mais escuros e há flores na mesa da sala. Certamente alguém ocupa a casa, pensei. Passo pela sala, pela cozinha, pela copa e vou em direção ao quarto. O nosso quarto. Giro a chave e a porta destranca. Empurro, mas dessa vez ela não se move. Tento mais uma vez e ela não se mexe. Dou alguns passos pra trás. Esbarro em uma mesinha com um amontoado de papéis. Meus textos que abandonei naquela noite em que achei que nada de escrito seria válido.
     Nesse momento sou tristeza. De forma imperceptível, uma lágrima põe-se a correr pela face do meu rosto e só se arrisca a se tornar perceptível em um discreto salto a fim de trocar de faces. Da minha para a do papel. Ouço um ruído na porta da sala e corro para averiguar. Era ela! Linda! Levava consigo várias sacolas de compras. Sem o menor espanto ela dirige-se a mim e diz:
     - Oi.
     - Oi. – respondo com ar de espanto – Não esperava encontrá-la aqui.
     - É a minha casa. – sorri e caminha até a copa para abandonar as sacolas.
     Ao olhar para a parede, reparo o nosso antigo relógio que funcionava de hora em hora, mas somente nas repetidas.
     - Desligou o relógio?
     - Não... A bateria dele não carrega mais. Acho que o carregador quebrou.
     - Essas fotos... – olhando pra alguns retratos dela espalhados pela superfície do armarinho – Lembrei que preciso pegar a minha máquina fotográfica, recuperá-la.
     - Ela é sua paixão, não é mesmo? – sorri – Está no mesmo lugar que você deixou.
     Abro a gaveta de baixo do armarinho. Lá está ela. Intacta. Rodeada por tentativas de melodia. A máquina funciona perfeitamente e ainda contêm na memória as fotos daquele tempo.
     - Se importa se eu tirar a ultima foto?
     - Eu não te negaria coisa assim.
     Bato a foto. Pego um pedaço de papel das tantas melodias inacabadas. Retiro uma caneta do bolso e escrevo uma palavra. Dobro o papel e fecho-o em minha mão.
     - A porta do quarto não abre mais?
     - Abre sim, mas é necessária força
     - Força? Por que é necessária força? As forças... Forçam. São forçadas.
     - Não sou eu quem tem a resposta para essa pergunta.
     Permaneço em silêncio alguns instantes. Ela se dirige à cozinha e começa a preparar o café da manhã como nas manhãs daqueles dias frios. Sinto uma enorme vontade de me sentar à mesa e me envolver naquelas saudosas conversas que desaguavam em silêncios confortantes acompanhados por olhares de leitura d’alma. Sua expressão é receptiva, como se tivesse também esse desejo. Mas não sou mais deste lugar.
     - Foi bom estar aqui novamente – digo com a voz rouca de um nó na garganta. – Estou indo.
     Ela se cala por alguns instantes. Caminho lentamente até a porta da sala. Deixo em cima da mesa, do lado do vaso de flores, o meu molho de chaves e o bilhete. Ela me acompanha silenciosamente. Levo a mão à maçaneta e abro a porta devagar.
     - Você está linda.
     Ela sorri e depois de uma pausa, diz: - Te comprei um sonho.
     - É... Um sonho.
     Suspiro. Sorrio. Saio.
     Volto a ser saudade.


*Bilhete: Amortecer*


                                                                                                                           Gabriel Lopes Sattelmayer.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

M_

     Das múltiplas sensações que me rodeiam, a mais marcante e significativa delas é a incompreensão. Dos vários caminhos a serem tomados, seguiu o mais escuro. As nossas fronteiras marcadas por paredes de cetim, hoje são da solidez do concreto. O contágio dos risos e sorrisos, hoje, são lembranças. E todo aquele gelo do dia seguinte, hoje, insiste em congelar a poesia. Aquela mesma poesia que no passado aquecia, revitalizava, recarregava... O nosso carregador.
     A simplicidade, nossa companheira, não sei se por cansaço de ser simples ou por coisa do tipo, insiste em vir a ser complexidade. Mas mal sabe ela que as coisas complexas não são as mais interessantes. A complexidade é maçante, corrosiva, desgastante. Porém tenho esperanças... Talvez um dia ela compreenda.
    Esse gelo e complexidade, em mim, resultaram na pacificação de minha intensidade que, hoje, representam meu silêncio. E o calor? Esse é dos conhaques, cobertas, fogueiras. Na nossa rua, que hoje mais parece uma avenida das mais movimentadas, eu deixo escrito a giz de cera o meu telefone no encosto daquele velho banco que freqüentei naquele tempo.
     Contudo, meu desejo é único: que a escuridão do caminho não te barre além dos olhos, os ouvidos e a boca. Acredite... Há quem se importe com isso.
           
                                                                                                                           Gabriel Lopes Sattelmayer.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Adultez

     É presente em mim o espanto diante da realidade de que as fases boas e ruins quebram como ondas na face de nossas vidas e, por serem ondas, vão e vem com a mesma facilidade. Essa dança de incrível mau gosto nos apresenta os mais intensos, apaixonantes e malditos sentimentos de estonteante alegria e profunda tristeza de uma forma tão marcante que, depois de um tempo, se transformam em um conformismo calejado que se instala permanentemente em nosso subconsciente.
     Esse “calo” é o que chamamos de amadurecimento. O amadurecimento nos defende de uma forma fria e calculista. Ele diminui a intensidade do ser humano, tornando-o robótico e cada vez menos sentimental e mais parecido com uma pedra. Inclusive, a pedra é uma boa comparação com o ser humano. Tem a sua origem pura, bruta e, com o passar do tempo e ação de intempéries, é moldada, refeita ou destruída.
     A pior parte desse amadurecimento é ter a consciência de que ele está ocorrendo. Perceber, mudar, se refazer e notar que aquela pessoa sensível e impulsiva que você (acredito que não sou só eu que penso assim) tanto valorizava não existe mais. O que, apesar de parecer, eu não acho negativo, pois infelizmente a vida exige certa frieza em determinados momentos para que não ocorram suicídios.
     Mas nesse gelo da razão e nessa repetição de ondas uma a uma, permito-me atentar ao fato de que a eternidade é apenas um sonho e que essa dura realidade que lutamos contra o tempo todo, quando compreendida, nos possibilita ver que a vida tem um curso natural e que as coisas sempre se acertam, mesmo que não seja da maneira que esperamos ou que gostaríamos que fosse. Diante disso, concluo que a única saída é viver cada momento da melhor maneira possível. Isso tudo é um pouco clichê, mas talvez, por ser clichê, é deixado de lado.
     Não defendo o destino, pois a vida é feita de escolhas e para cada escolha feita surgem mais escolhas, então não há um só caminho ou uma só razão, todavia para cada escolha nossa há uma razão, seja ela consciente ou não.


Gabriel Lopes Sattelmayer

sábado, 2 de julho de 2011

Intensidade

     Estou triste, desesperado! Não caibo no mundo e o mundo não cabe em mim. Estou no esboço do fim. Não vejo saída. Ausento-me. Escondo-me. Adormeço.
     O vento abre minha janela. O dia está lindo! Vejo pessoas rindo, contemplando o dia. Saio de casa correndo, desço as escadas, abro a porta. Que paisagem linda! Que felicidade! Que companhia! Perfeito! Volto pra casa. Penso. Reflito.
     Agora está ficando frio. Sinto medo. Estou feliz, mas sinto medo. Observo atentamente e então vem a dúvida. O que fazer? Fecho-me. O ambiente, apesar de frio é agradável. Ouço histórias, participo, mas não me exponho. Meus braços e pernas estão cruzados. Alguém nota e me aponta. Minha mão gela, meu coração passa a esmurrar meu peito. Canso. Parto.
     O caminho é escuro e silencioso. Escuto meus passos. Eles ecoam no ambiente. Meus pensamentos se embaralham. Entro em frenesi. Então tropeço, sinto dor, paro, me recomponho, me alinho, me conformo. Mas a dúvida me acompanha. Será mais uma de minhas maldições? Não, não há maldição.
     Hora da coragem! Ligo. Compartilho. Confirmo. Conformo. Conformo? Que nada! Conformar como? Não tenho esse controle! Nunca tive. Meu coração dispara novamente. Encolho-me. Sinto uma enorme dor. Porque de novo? Pergunta óbvia! E as suas experiências? E a sua maturidade? Haha! Tenho apenas 18 anos e tenho muito que aprender. Por hora contemplo a neblina. E amanhã? Ah! Amanhã é outro dia!

                                                                                                                            Gabriel Lopes Sattelmayer

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Subitâneo

     O silêncio que permaneceu até então em meu blog tem a ver com o assunto a que venho tratar neste texto. O acaso.
     De todas as experiências que tive, as melhores foram aquelas que surgiram sem o menor planejamento e o mesmo acontece com as minhas idéias. Essas mesmas que, pela nova regra, são escritas sem acento e que eu recuso aplicar essa regra sempre que posso. Mas, como eu ia dizendo, a minha vontade de escrever surge do acaso junto com a idéia que sinto vontade de expor. E essa... Como posso dizer? Maiêutica, bem menos nobre que a original, mas com alguma semelhança, dá as caras em intervalos totalmente irregulares de tempo.
     Porém, esse intervalo cessou com algumas pessoas que conheci e que, com a naturalidade e espontaneidade com que elas apareceram e me incluíram naquele cenário tão confortável, consegui projetar uma réplica da peça que eu tanto procurava para tornar minha estadia nessas bandas mais próxima de ser completa.
     Essas histórias que existem naquela porcentagem quase insignificante de chance de vir a ser reais e que esperam somente um “sim” ou um “por que não?” para entrarem em cena virando sua vida de “pernas pro ar” tanto pro lado bom, quanto para o ruim, deixam rastros memoráveis em nossas vidas. Eu, particularmente, me considero sortudo por quase sempre ser presenteado com coisas boas e quando ocorre de algo dar errado, logo vem uma compensação.
     Às vezes me acho bobo por gostar tanto do acaso, pois ele, muitas vezes, é tão sem sentido que se pensarmos demais nele podemos nos perder em nossos pensamentos. Mas uma coisa boba é apenas um conceito que varia de pessoa pra pessoa, então eu não me importo.
     E aqui, com o pretexto do acaso, relato o prefácio de meus últimos dias. E que assim continue.


Gabriel Lopes Sattelmayer

quarta-feira, 11 de maio de 2011

A base

     Na madrugada do dia 6 de maio de 2011, fui surpreendido por um vídeo do cantor Eddie Vedder cantando uma música de um filme chamado “Into the Wild”. Naquele momento eu fui tomado pela dúvida: “Será que esse é aquele filme que vi em casa há mais ou menos dois anos atrás?”, me perguntei. Sim, era ele! E na mesma hora, uma felicidade tomou conta do meu dia e a inspiração me fez sentir necessidade de me expressar de alguma forma. Foi então que dei início a esse blog.
     Por que eu estava tão feliz? Pois esse filme se tornou o meu filme preferido, depois que eu o assisti. E porquê de ele ter tanta importância? Pois ele relata a história de um jovem que abre mão de todos os conceitos e da sociedade para ir em busca da liberdade e felicidade em seu estado mais extremo.
     Liberdade sempre foi um assunto questionado por mim. Será que com tantas regras e objetivos traçados em nossas vidas por nossos superiores hierárquicos, é possível obtê-la? Obviamente não, eu concluía. Para isso acontecer você primeiramente teria de se desapegar de todo o conceito sedentário de conforto e falsa segurança que nos é ensinado como o básico para se ter uma boa vida.
     O problema era que para fazê-lo, demandaria uma enorme coragem e força de vontade. Força de vontade eu sempre tive, mas o que falta é coragem e, nesse ponto, coragem é o item de maior peso.
     Porém, do fim de janeiro ao fim de março, conheci algumas pessoas com quem tive contato por pouco tempo. Suas histórias apenas passaram por mim. Mas neste texto, eu gostaria de citar três delas. Todas elas eu conheci em minha cidade natal, São Thomé das Letras e seus nomes são: Rafael, Franciele e Duende.
     O Rafael tinha saído de sua casa em Campinas para rodar por algumas cidades e descobrir respostas para algumas perguntas. Ele tinha uma visão analítica das coisas bem parecida com a minha. Ele lia muito, livros que trouxessem algum tipo de informação que pudesse complementar, ou gerar reflexões sobre suas idéias metafísicas. Porém ele sempre dizia que os livros não continham uma verdade sólida e que suas idéias eram vagas. Os livros, para ele, serviam apenas de base para gerar discussões e que o valor real estava no diálogo.
     A Franciele, ou Fran, como eu a conheci, é uma menina da cidade de Muzambinho que chamou muito minha atenção. Na noite que eu a conheci era a sua ultima na cidade, pois ela voltaria para casa na manhã seguinte. Ela tinha um jeito de quem estava saturada de alguma coisa em sua vida e estava disposta a sentir e absorver a energia e a sensação de liberdade do ambiente o máximo que pudesse. A nossa idéia central era o descaso das pessoas com eventos cotidianos oferecidos pelo sol, pela lua, pelo vento, que nos fazem tão bem, se dermos ao menos o mínimo de atenção a eles.
     Do Duende eu nunca soube seu nome, mas também não achei necessário. Ele tinha aberto mão de sua casa para viver andando pelo país e colecionando histórias e experiências, levando a vida da maneira que ele achasse que fosse bom para ele. Seu fundamento era ser feliz a todo custo.
     Conversando com essas pessoas eu mudei meu foco de vida e também mudei minha maneira de ver as coisas. Não possuo a coragem de desfazer da minha vida e seguir o extremo da liberdade e felicidade, mas agora vivo refletindo sobre eventos metafísicos, sentindo as energias e buscando ser feliz à minha maneira, sendo de uma certa forma livre. Sinto-me mais completo e no dever de continuar assim... Compartilhando.

Gabriel Lopes Sattelmayer 

sábado, 7 de maio de 2011

O Lamento

     A intenção da primeira postagem era outra, mas infeliz ou felizmente, dependendo do referencial, tratarei de um assunto que me aflige profundamente e que eu sempre tive consciência, mas nunca havia sentido na pele. Restrição.
     Restrição que digo não diz respeito a lamentações adolescentes por limites impostos pela família que vedam convites para festas, vontades de tatuagem ou amores imperfeitos, até por que, sempre recebi conselhos ao invés de um “não”. A restrição a que me refiro é muito mais corrosiva e revoltante. É aquela que te priva da sua essência e te obriga a se apagar levando-o a beira de um abismo interno tão alto que chega a tornar reais os sentimentos agoniantes de falta de ar, por ser rarefeito e o gelar das mãos correspondendo ao medo de altura. Contudo, nem metáforas transpõem a corrosão psíquica do fato.
     Porém, no meu caso, essa restrição não é feita de forma direta. Na verdade, eu acho que o princípio de toda essa minha angústia é a falta de pessoas que realmente me conhecem ao meu lado. Aquelas que não é necessário falar muito para que elas percebam a hora de respeitar um momento seu, a hora que você precisa ser somente ouvido sem nenhum palpite ou julgamento e coisas do tipo.
     Nos últimos tempos, passei a valorizar muito eventos diários como: os pores-do-sol, as fases da lua, usar de paisagens bonitas para “colocar a cabeça no lugar” em momentos difíceis, recorrer a bons amigos para me distrair e conversas em plena madrugada depois de uma noite de rock, mas as circunstâncias e algumas escolhas retiraram isso de mim, me deixando atordoado.
     Esta postagem foi apenas um lamento na tentativa de colocar um ponto final nesse frenesi de pensamentos. Mas deixo aqui uma promessa: de lamentos, este será o único.
     Sem mais.


                                                                                                                            Gabriel Lopes Sattelmayer

quinta-feira, 5 de maio de 2011

O pretexto

     Para dar início ao blog, eu gostaria de explicar o porque da existência dele. A idéia da criação dele veio bem antes da existência dos blogs. Desde pequeno eu sempre fui de analisar tudo ao meu redor e tirar minhas próprias conclusões, conclusões essas que raramente expunha, mas cogitava a possibilidade de torná-las públicas por intermédio de algum diário que fosse acessível a todos. Porém, essa idéia acabou adormecendo, pois na época isso era impossível.
     Mas nos últimos 5 meses, fui bombardeado por várias idéias diferentes de pessoas diferentes que , em todas as vezes, me procuraram para discutir assuntos e me forçaram, de uma maneira sutil, a colocar na mesa o meu ponto de vista. Esse exercício bobo de trabalhar idéias com desconhecidos me despertou de novo a vontade de me expor, agora com o blog para me auxiliar.
     O assunto principal do blog será apenas conclusões e experiências que tive que serão mutáveis ao longo do tempo, portanto a coerência poderá ser o meu ponto fraco aqui.
     Contudo, espero que gostem!


Gabriel Lopes Sattelmayer.