quinta-feira, 8 de maio de 2014

Daquelas que o fogo consumiu



    As vezes penso que isso é um sonho. Vivo contigo dentro da minha cabeça. Passo o dia inventando histórias pra ver se diminui a falta que sinto. A falta do que desconheço. Fecho os olhos e deslizo o dedo por seus cabelos. Rio sozinho, me sinto um idiota. Degusto os sabores que você me causa e vou do desespero à felicidade na velocidade de um sorriso. Finjo que recebo cartas. Finjo que te escuto me chamar de dentro de meus sonhos. Ando nas ruas como se não fosse daqui. Procuro em meio à multidão a intensidade de seus olhos, mas não te encontro. Aguardo... Espero... Os dias correm e nada acontece.
    Penso que você gosta mesmo é de me encontrar nos livros, nas fotos, nas músicas. E realmente não seria diferente sendo uma criatura tão encantadoramente artística como é. E eu adoro! Me transformo em arte pra ser o que você quiser de mim. Porque a verdade é que eu balanço, resmungo, me escondo, mas não aguento. Sempre volto a te esperar...
     O problema, minha garota, é que não sei viver pela metade e a paixão eu sinto é até os ossos. E você anda muito dentro de mim, na mina cabeça o tempo todo. E as vezes penso que você se tornou invenção e que a minha paixão é sozinha. Por isso sempre vejo suas fotos e carrego gravado em mim todas as coisas apaixonantes que você me disse. E minha coletânea de blues... parece que foram escritos pensando em você. Conheço os limites e sei que vivemos de contratempos, mas... Se há em você a força que há em mim, não haverá o que nos separe.
      Tenho duas passagens pra um lugar que você não vai se arrepender de conhecer. No caminho eu te explico melhor.  Vem comigo?


Gabriel Lopes Sattelmayer    

domingo, 23 de março de 2014

Foda-se

- Pode me dar um trago desse cigarro?
- Pode, mas está no fim...
- Não tem importância. Aceito qualquer coisa!
- Quer um inteiro?
- Mesmo? Sério que você me daria um inteiro?
- Claro...
- Meu deus! Muito obrigado! Que bom que você se importa comigo, cara! As pessoas me veem como retardado. Quando a gente bebe, cara, você vira um retardado!
- Não precisa agradecer, não fiz muito.
- Não, cara... Obrigado! De verdade! As pessoas até evitam falar comigo. Elas me acham um retardado. E eu sou um retardado, cara! E sabe o que eu queria de verdade, cara? Um prato de comida! Cara... Você nem imagina quão difícil é conseguir um prato de comida.
- Conheço alguns restaurantes que dão o que sobra da comida do dia pra quem pede.
- Os restaurantes não nos ajudam, cara! Ajudam pessoas como você, mas pra nós cara... Não há comida. Pros porcos sim, mas pra nós não.
- Hmm...
- Você não precisa acreditar em mim.  Mas eu sei o que estou dizendo.
- Eu acredito, nunca pedi comida em restaurante pra saber... O que eu sei é de ouvido.
- E o pior cara, é que se você quiser beber... Quer beber, cara? Quer se drogar? Quer o que? A bebida mais cara do mundo? Essas sempre têm! Quer cheirar cara? Quer usar crack? Tudo isso tem de sobra. Mas comida, cara... Isso ninguém te dá. Você sabe o que é perder o direito de comer cara? Eu não estou aguentando nem ficar em pé de tão bêbado que eu estou, cara. E sabe que eu queria? Um prato de arroz! Arroz, cara... Puro mesmo. Eu só quero me alimentar. Se você jogar a comida no chão, cara... Eu como! Sabe por quê?  Porque foda-se, cara! Não importa como você chama a comida. Chama de lavagem? É lavagem que você quer me dar? Eu como, cara. Foda-se! Não é a maneira que você chama a comida que importa, cara. O que importa é o alimento.
- Mas você tem que se cuidar, cara... Pare de beber, nem que seja por um tempo só... Pode desenvolver uma cirrose... Perdi um amigo assim, já...
- Não é parar de beber, cara... Todo mundo tem direito de beber, de comer e de dormir, cara. Eu perdi o direito de comer e nem consigo mais dormir. Eu estou me tornando um zumbi, cara. E nem eu estou me aguentando. Eu estou com fome, cara! Se você quiser fazer algo por mim, cara... Dê-me uma marmita, cara! Independente da hora. Pode ser de manhã, de tarde, de noite! Se tivesse aqui, Cara... Eu comia agora mesmo e feliz! Não preciso de nada, cara... Não preciso de talheres, não preciso de prato. Eu como com a mão, cara. Essas necessidades, essas coisas pequenas já estão mortas em mim a muito tempo. Foda-se!
- Eu não sei o que te dizer, cara.
- Eu não estou querendo que você me diga nada, só quero que alguém me escute! Não quero ser visto como um retardado cara.  As pessoas só me dão bebida e não importa o valor da bebida, cara! Agora comida, nem um prato de arroz eu consigo, cara! Eu tenho cara de bêbado? Lógico né? HAHAHAHAHAHAHAHA
- Eu preciso ir...
- Nossa, cara! Desculpa! Nossa! Desculpa! Por favor, me desculpe! Eu estou sendo chato, não é? Eu estou te atormentando, cara!
- Não há o que te desculpar. Não há culpa. Você não me incomoda, pelo contrário. Eu conversei contigo, te ouvi. Mas agora chegou a hora de ir.
- Nossa, obrigado  mesmo! E me desculpe, de verdade!
- Imagine...



Gabriel Lopes Sattelmayer

Aguarde o sinal do fechamento das portas!

     Parei para descansar no fundo do poço da criatividade. Semana passada pari um texto. Tão doloroso que perdi a paciência e o arremessei ao fogo, meu maior leitor e confidente dos últimos tempos. Acontece que a máquina que me move estagnou. Caiu ao chão por falta de lubrificante. Nós estamos com sede! Precisamos de uma dose do que tiver de mais forte nessa Terra. Ou melhor, Terra não! A terra está sempre dividindo os limites do Céu e do Inferno. Eu quero uma dose de Céu! Do mais puro céu! Saltar do mais alto pico e cair macio como se tivessem revestido o mundo de feno. E que a certeza do chão macio não fosse me dada. Que eu sentisse cada fase da queda como se fosse meu ultimo suspiro de vida. E levantasse um tanto abobalhado como se tivesse sonhado a noite toda.
    Mas se essa alegria me fosse negada, que viesse o inferno, eu não me importo. Que todo o mundo mergulhasse em cinza e até a água amargasse a boca. Que eu sentisse desesperadamente insignificante qualquer que fosse o prazer meu. Que a solidão me arrastasse como imã para dentro de minha cabeça e lá eu permanecesse por meses. E que toda essa angústia me forçasse o grito. E que jorrasse como vômito todo o horror em forma de poesia.
    O que mata é essa mediocridade. Estado de satisfação e bem estar confortante. Nem tão lá nem cá. Essa falta de tempero me amordaça as mãos e delas não saem nem o “dó, ré, mi”. Mas não tem nada não... Esse incômodo é coisa besta. Um descanso para a inversão de polos que vem chegando. E disso eu só digo uma coisa. Viverei intensamente cada segundo!



Gabriel Lopes Sattelmayer