sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Ser


    No reflexo metálico esboço um olhar de alguém que não se reconhece. Alguém que começou do meio sem a lembrança de um início. Cai sobre mim o brilho dourado do metal e dele sinto a paz, a vida, a idéia que o tempo deixou em tom azulado. Do azul não me lembro de nada além de um gosto amargo na boca e uma sensação de desconforto. O conforto me traz saudade. Saudade de quando confortável era apenas ser indivíduo. Quando a coletividade me servia e ela aquecia-me o peito.
     É possível não se ter um princípio ou ao menos um pretexto? De minha única metade conhecida, conheço apenas metade. Como alguém que é incompleto pode desejar algo completo? Restam-me as metades. Sufoca-me essa falta de pedaços. Preenchem-me com imaginação. Canso de ser utópico. Disseram-me que sou invenção. Minhas mãos de delicadeza vadia mal são marcadas por minhas digitais. Minhas digitais são fracas, mas existem. Existo.


Gabriel Lopes Sattelmayer.

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