quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Conversas de noites frias

     Arrepia a pele este frio que me toca. O tempo é daqueles que não se veem pássaros no céu. -“Olá, caros amigos! Ressurgi das cinzas para abençoá-los com o prazer de minha companhia”. Todos estão inundados até os ossos por esse clima ártico. Fumaça, cafés, peles de animais, circulares súplicas e reclamações ardem como febre de início de gripe. – “Trouxe vinho! E do Porto! 400 reais, acreditam? Uma pechincha!”. As horas no frio são lentas, preguiçosas. Um cachorro moribundo se acomoda no tapete da entrada. A menina ali do lado, aquela de dreads toda enrolada em panos coloridos e símbolos da paz, está tão perdida no mundo virtual que parece um zumbi. Completamente vidrada em seu celular. Capaz de reproduzir somente alguns ruídos como: “hum”,”ham”. Deve estar em alguma dessas redes sociais. Patética!
     Me identifico com ela. Ambos somos patéticos! Alheios a qualquer informação que venha de fora, mas sujeitos a pescar o assunto como mágica em seu ultimo suspiro de vida. –“Aí eu já não sei mais o que fazer com ela. É uma vagabunda! E não sai mais do meu pé. Não sei que diabos fiz pra me envolver com essa vagabunda”. -“É... Essas vagabundas são fodas...”. Não imagino quem era a vagabunda da conversa, mas também não me interessava. Aos olhos de Charlie, qualquer mulher que não suportasse seu ciúme doentio e suas crises de carência e fosse cantar em outra freguesia já seria uma legítima vagabunda. E todas as vagabundas SEMPRE estavam aos seus pés. Pela janela conseguia ver a lua. Parecia um grande queijo. Desde criança acreditava que a lua era um queijão. Achava melhor do que ver São Jorge. –“Mas eu também... Perdi o tesão. Meu relacionamento foi como essa cerveja. Estava gelada quando pedi... Agora está quente e sem gás.”. Essa foi demais! – “E com essa, me retiro! Boa noite, pessoal!”.
   Preferia ver São Jorge a ficar mais meia hora ali. Percebo como estou pobre de espírito. Me incomodando com cada coisa besta! Desviei o caminho. Há um gramado perto daqui muito bom de se deitar. Tudo está úmido e gelado. Deito e me encolho no gramado. Por instantes me vejo como o cachorro do tapete deitado em seu mísero conforto. Meus pensamentos se perdem em lembranças e desejos. Naquela noite, como há tempos não fazia, adormeci.



Gabriel Lopes Sattelmayer


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