Arrepia a pele este frio que me toca. O
tempo é daqueles que não se veem pássaros no céu. -“Olá, caros amigos! Ressurgi
das cinzas para abençoá-los com o prazer de minha companhia”. Todos estão
inundados até os ossos por esse clima ártico. Fumaça, cafés, peles de animais,
circulares súplicas e reclamações ardem como febre de início de gripe. – “Trouxe
vinho! E do Porto! 400 reais, acreditam? Uma pechincha!”. As horas no frio são
lentas, preguiçosas. Um cachorro moribundo se acomoda no tapete da entrada. A
menina ali do lado, aquela de dreads toda enrolada em panos coloridos e
símbolos da paz, está tão perdida no mundo virtual que parece um zumbi.
Completamente vidrada em seu celular. Capaz de reproduzir somente alguns ruídos
como: “hum”,”ham”. Deve estar em alguma dessas redes sociais. Patética!
Me
identifico com ela. Ambos somos patéticos! Alheios a qualquer informação que
venha de fora, mas sujeitos a pescar o assunto como mágica em seu ultimo
suspiro de vida. –“Aí eu já não sei mais o que fazer com ela. É uma vagabunda!
E não sai mais do meu pé. Não sei que diabos fiz pra me envolver com essa
vagabunda”. -“É... Essas vagabundas são fodas...”. Não imagino quem era a
vagabunda da conversa, mas também não me interessava. Aos olhos de Charlie,
qualquer mulher que não suportasse seu ciúme doentio e suas crises de carência
e fosse cantar em outra freguesia já seria uma legítima vagabunda. E todas as
vagabundas SEMPRE estavam aos seus pés. Pela janela conseguia ver a lua.
Parecia um grande queijo. Desde criança acreditava que a lua era um queijão. Achava
melhor do que ver São Jorge. –“Mas eu também... Perdi o tesão. Meu
relacionamento foi como essa cerveja. Estava gelada quando pedi... Agora está
quente e sem gás.”. Essa foi demais! – “E com essa, me retiro! Boa noite,
pessoal!”.
Preferia ver São Jorge a ficar mais meia
hora ali. Percebo como estou pobre de espírito. Me incomodando com cada coisa besta!
Desviei o caminho. Há um gramado perto daqui muito bom de se deitar. Tudo está
úmido e gelado. Deito e me encolho no gramado. Por instantes me vejo como o
cachorro do tapete deitado em seu mísero conforto. Meus pensamentos se perdem
em lembranças e desejos. Naquela noite, como há tempos não fazia, adormeci.
Gabriel Lopes
Sattelmayer
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